Da quinina ao corante anilina: uma oxidação milionária

Em 1856, William Perkin, que acabava de fazer 18 anos, empenhou-se em um ambicioso projeto no laboratório de sua casa durante os feriados da Semana Santa na faculdade de Química em que estudava: preparar quinina artificialmente. Acompanhe:

Imagem: Freepik.

Na faculdade, William era aluno do químico orgânico alemão A. W. Hofmann [...]. Em uma de suas aulas, Hofmann disse que seria muito desejável preparar quinina artificialmente porque esse medicamento – o único conhecido na época para combater malária – podia ser obtido somente da casca de uma árvore proveniente das Índias Orientais.

Perkin se propôs a sintetizar a quinina a partir da toluidina, um derivado da hulha (tipo de carvão mineral) e obtido como subproduto barato da indústria do aço [...].

Perkin conhecida as fórmulas moleculares da toluidina [C2H9N] e da quinina [C20H24N2O2] e pensou que poderia transformar uma na outra adicionando o número necessário de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio [...].

Numa das etapas da preparação, ele empregou um poderoso agente oxidante: o dicromato de potássio. O resultado dessa oxidação foi uma pasta escura que não se parecia nem um pouco com a quinina.

Em vez de desistir, Perkin decidiu repetir o procedimento usando um material mais simples como ponto de partida: a anilina. [...] Dessa vez o produto foi um sólido negro ainda mais diferente da quinina. Antes de jogá-lo fora, o estudante notou que a água e o álcool usados para lavar o frasco se coloriram de púrpura.

Fascinado com esse resultado inesperado, o jovem químico percebeu que as soluções obtidas eram capazes de tingir a roupa. Perkin rapidamente encontrou um método prático para extrair o corante púrpura da mistura negra.

Corantes diversos. Fonte: imagens públicas do Google.

Enviou uma amostra desse corante sintético a uma fábrica inglesa de corantes para que o testassem em seda e algodão. A avaliação concluiu que se tratava de um corante muito promissor para uso na seda, mas não para uso no algodão.

Contudo, os tintureiros logo descobriram que havia meio de aplicar no algodão um tratamento prévio, que o tornava suscetível a ser corado pelo produto descoberto por Perkin.

Assim, uma tentativa de sintetizar quinina conduziu à produção acidental do primeiro corante artificial. Com o entusiasmo da sua juventude, Perkin decidiu patentear o corante, construir uma fábrica e entrar nesse ramo industrial.

Ele não foi muito encorajado por seu professor Hofmann, que desejava que ele continuasse seus estudos acadêmicos e achava que começar um negócio de corantes era loucura.

Hofmann estava equivocado. Felizmente para o jovem Perkin, seu pai era rico e tinha grande confiança em seu filho. Com o apoio do pai e do irmão, ele obteve a patente de seu corante, construiu uma fábrica e solucionou os problemas relacionados com a produção em larga escala do material [...].

O negócio de Perkin teve um enorme êxito. O corante, que foi chamado de púrpura de anilina, púrpuro do Tiro, malva (ou malveína), chegou a ser extremamente popular. Esse último nome foi dado na França, onde o produto chegou a ser largamente usado.

Até a descoberta de Perkin, os corantes de cor púrpura estáveis conhecidos eram extremamente caros. Usado desde há muito tempo, o corante natural anteriormente denominado púrpura do Tiro era extraído de pequenos caracóis que vivem no Mar Mediterrâneo e são difíceis de recolher.

Eram necessários nove mil deles para obter um grama de corante. Só a realeza podia permitir-se usar roupas dessa cor, daí a associação de púrpura com a realeza.

A síntese feita por Perkin de um belo corante púrpura e estável a partir do carvão mineral fazia com que essa cor passasse a estar disponível por um preço acessível à maioria das pessoas [...].

O êxito desse corante correspondeu ao nascimento da indústria dos corantes sintéticos [...] e representou também uma história de descobrimento casual que fez com que uma simples reação de oxidação de uma substância orgânica se transformasse num negócio milionário.

Fonte:

ROBERTS, R. M. Serendipia: descubrimientos accidentales em la ciência. Madrid: Alianza Editorial, 1989. p. 112-116. 

- Veja também: 

Pilha de Daniel e reações de oxidação e redução 

Carbono, compostos orgânicos e a origem da vida

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